Úlcera Perfurada
O QUE É A ÚLCERA PÉPTICA?
Simplificadamente, úlcera péptica trata-se de uma lesão no revestimento do estômago, duodeno ou, raramente, na parte final do esôfago. É uma das doenças gastrointestinais mais prevalentes e custosas: a incidência de úlcera ativa nos EUA é de 500.000 novos casos por ano, e foi estimado um custo anual de aproximadamente $3,1 bilhões de dólares pela doença nesse país.
PATOGÊNESE
Supõe-se atualmente que 90% das úlceras duodenais e 75% das úlceras gástricas estão associadas à infecção pela bactéria Helicobacter pylori, havendo sido propostos três mecanismos principais: produção de produtos tóxicos que causam lesão tecidual local; indução de resposta imune na mucosa local; e níveis de gastrina aumentados, com resultante aumento na secreção ácida. Essa bactéria representa uma infecção crônica encontrada mundialmente, com taxas ainda maiores em países em desenvolvimento, havendo uma relação inversa entre infecção e status socioeconômico.
Após a infecção por H. pylori, a ingestão de AINEs (anti-inflamatórios não esteroides) é a causa mais comum da doença ulcerosa péptica e tem relação especial com o desenvolvimento de complicações e morte. Mais de 3 milhões de pessoas nos EUA tomam AINE diariamente e cerca de 1 em cada 10 destes possuem uma úlcera aguda.
ETIOLOGIA
A úlcera duodenal é uma doença com múltiplas etiologias, sendo as únicas exigências absolutas a secreção de ácido e de pepsina, em combinação com a infecção por H. pylori ou a ingestão de AINEs.
A úlcera gástrica não está necessariamente associada ao aumento da secreção ácida: 60% delas estão na curvatura menor do estômago, próximas à incisura angular, sendo classificadas do tipo I, e podem apresentar débito de ácido baixo a normal. Em contrapartida, as do tipo II (15%), localizadas no corpo do estômago, geralmente estão associadas à secreção excessiva de ácido, bem como as do tipo III, pré-pilóricas, responsáveis por cerca de 20% das lesões (e também se comportam como úlceras duodenais). As úlceras do tipo IV têm incidência inferior a 10%, ocorrem próximas à junção gastroesofágica, uma parte alta da curvatura menor, e não estão associadas à secreção ácida excessiva. No entanto, uma cicatrização rápida segue-se à terapia com antiácido, anti-secretora ou vagotomia, visto que na presença de lesão de mucosa gástrica o ácido é ulcerogênico mesmo quando presente em quantidades normais.
Algumas condições podem predispor à ulceração gástrica: idade >40 anos, gênero feminino, ingestão de aspirina ou AINEs, anormalidades na secreção de ácido ou pepsina, estase gástrica por atraso do esvaziamento gástrico, úlcera duodenal coexistente, refluxo gastroduodenal de bile, gastrite e infecção por H. pylori, ingestão crônica de álcool e tabagismo.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
O sintoma mais associado à doença ulcerosa péptica é a dor abdominal mesoepigástrica, geralmente bem localizada. Em geral, a dor é tolerável e com frequência alivia com alimentação. Pode ser episódica, sazonal ou reaparecer durante períodos de estresse emocional. Por essas razões muitos pacientes não procuram atendimento médico até que tenham tido a doença por muitos anos.
PERFURAÇÃO: UMA COMPLICAÇÃO
Quando a dor se torna constante, isso sugere uma penetração mais profunda da úlcera, sendo a referência de dor para as costas geralmente um sinal de penetração no pâncreas. A irritação peritoneal difusa é geralmente um sinal de perfuração livre, desencadeando uma peritonite química, e uma vez feito o diagnóstico a cirurgia deve ser realizada de maneira urgente após reanimação apropriada com líquidos: trata-se de uma emergência cirúrgica.
Perfuração duodenal atualmente responsabiliza-se por 75% da perfuração péptica, entretanto, a taxa de mortalidade da úlcera perfurada é maior após perfuração gástrica. Em idosos, a taxa de mortalidade por qualquer uma delas é significativamente maior.
Além disso, doenças concomitantes, choque à admissão, cirurgia retardada, cirurgia de ressecção e infecções pós-operatórias abdominal e da ferida estão associados à morbidade e mortalidade aumentadas.
DIAGNÓSTICO DE ÚLCERA PÉPTICA PERFURADA
O diagnóstico começa com uma história e exame físico completos. O paciente tipicamente pode lembrar-se do momento exato do início da dor abdominal, frequentemente acompanhada de febre, taquicardia, desidratação e íleo adinâmico. O exame abdominal releva dor intensa, rigidez, perda da macicez hepática (Sinal de Jobert) e sinal do rebote. A história e o exame físico são complementados por um exame laboratorial dirigido que inclui hemograma completo, perfil metabólico abrangente, perfil da coagulação e determinação da amilase. Precocemente após a perfuração, os testes laboratoriais geralmente são normais, com exceção de leucocitose e possivelmente hiperamilasemia branda. Mais tarde, desenvolvem-se anormalidades adicionais sugestivas de uma síndrome de resposta inflamatória sistêmica, como função renal diminuída e hipóxia.
Apesar da amilase ser bastante sensível, não é específica desse quadro clínico: dor abdominal súbita, principalmente em abdome superior, quando apresenta amilase aumentada faz diagnóstico diferencial entre pancreatite aguda, isquemia mesentérica e úlcera perfurada.
Se estiver presente peritonite difusa grave, sugerindo um abdome agudo cirúrgico, nenhum exame de imagem é necessário antes da exploração. Se o diagnóstico e a necessidade de operação forem menos claros, é apropriado iniciar com uma radiografia simples do abdome em ortostase e em decúbito. Ar livre indicando uma víscera perfurada está presente em 70% dos pacientes com úlcera péptica perfurada (portanto, sua ausência não pode ser tomada como evidência contrária ao diagnóstico).
Se ar livre não estiver presente na radiografia ou se houver padrão ruim, o diagnóstico pode ser feito com uma tomografia computadorizada de abdome e pelve. É o teste diagnóstico preferido, se o diagnóstico diferencial permanecer amplo.
TRATAMENTO
O tratamento começa com a inserção de uma sonda nasogástrica em sifonagem para descomprimir o trato gastrointestinal e limitar contaminação peritoneal adicional. O paciente é reidratado agressivamente pela administração de cristaloide intravenoso e antibióticos de amplo espectro também são administrados. É importante evitar ressuscitação pré-operatória prolongada e prosseguir para a sala de operações tão rapidamente quanto possível.
A operação mais frequentemente realizada para uma úlcera duodenal perfurada é o fechamento simples com um reforço de superposição ou remendo omental, com a operação sendo efetuada através de uma incisão mediana superior. Quando combinado com erradicação pós-operatória de H. pylori e adição de um procedimento de redução de ácido, como terapia com inibidor da bomba de prótons, morbidade, mortalidade e taxa de recorrência de úlcera são consideravelmente mais baixas.
Quanto à úlcera gástrica perfurada, a condição clínica e doença comórbida ditam qual procedimento cirúrgico deve ser escolhido. As opções incluem fechamento simples com biópsia, excisão e fechamento, e ressecção.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ZINNER, Michael J; ASHLEY, Stanley W. – Maingot: Cirurgia Abdominal. 11ª edição. Rio de Janeiro: Revinter, 2011.
TOWNSEND C.D., BEUCHAMP R.D., EVERS B.M., MATTOX K.L. Sabiston: Tratado de Cirurgia, A Base da Prática Cirúrgica Moderna. 18ª edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.